terça-feira, 29 de outubro de 2013

Calendário de greve 28.10 à 01.11

Segunda - 28.10
- Reunião do Comando Geral de Greve – 18h – Reitoria Ocupada


Terça - 29.10
- Ato em frente à reunião de Negociação com a Reitoria – 10h – na sede do CRUESP (rua Itapeva, 26)

- Plenária unificada dos três setores - 18h - na Sala Caio Prado Jr. - Prédio de História


Quarta - 30.10
- Aula Pública:
A estrutura de poder da USP - com os professores Homero Santiago e Vladimir Safatle – 17h – Sala 111

- Assembleia dos Estudantes de Filosofia - 19h - Sala 111 do Prédio de Filosofia

- À noite confraternização no CAF- Dia do Saci

Quinta - 31.10
- Aula Pública:
Hume e as ambiguidades da revolução - com o prof. Pedro P. Pimenta – 14h30 – Sala 111

- Assembleia Geral às 18h, em frente à Reitoria Ocupada

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Acerca do documento "Diante da Situação"

Homero Santiago

Caros colegas,

Como não sou bom em discussão poética e não tenho condições de argumentar com a memória de longa data (não que a tenha perdido, simplesmente não conheço a USP dos tempos de antanho), vou me permitir alguns comentários mais chãos, ou mlehor, algumas impressões, me servindo da memória mais imediata (entrei em 1993 na USP), acerca do documento recente “diante da situação”, que nos foi enviado a todos e foi noticiado hoje pela Folha de S. Paulo.

* Sobre os meios de produção do texto e a coleta de assinaturas, não vejo maiores problemas; é uma via legítima. Porém, há de se ponderar, como fez perfeitamente o prof. Adrián: “o modo de circulação do texto, como o de qualquer texto, é parte de seu sentido, inclusive o fato de ter alcançado tão rapidamente divulgação na Folha de São Paulo”. Querendo ou não é um texto feito para sair no jornal (o que não quer dizer que tenha sido tal a intenção).

* É cansativa essa coisa toda de “excelência”, “qualidade”, etc. Em termos mais teóricos, se poderia invocar Gilles Deleuze: só os funcionários do saber costumam levar a sério tais argumentos – e sempre no mau sentido: é a desculpa para as piores coisas, para as atitudes mais burocráticas, para a constituição de um discurso afinado ao poder (com intenção ou não); em bocas cínicas é tenebroso (o que não quer dizer que todos os signatários o sejam; somente que alguns o são com certeza, e vou me permitir relacionar as ações aos bois, mesmo sem nomeá-los).

* É incrível que alguns (a maioria, ao menos dentre os que conheço, não) dos que lastimam que “excepcionalmente” se interrompa o “trabalho universitário sério e precioso” são os mesmos (dois ou três) que dispensam os alunos mais cedo porque marcaram consulta no HU – ora, bolas! por que não marcam fora do horário de aula. Houve (uma única vez, pelo menos) um que interrompeu a aula porque precisava ir ao “Banespa” (faz algum tempo).

* Dentre os arautos da excelência, há aqueles que vivem viajando e nunca se preocupam com nada relativamente aos cursos e aos alunos (há os que viajam e se preocupam, e que são a maioria). Há os que por algum motivo (em geral por ocupar cargos burocráticos), cuidam da própria vida e estão há anos dando o mesmo curso; quando o curso é bom, isso é até positivo, quando o curso é ruim, é uma desgraça para o conjunto dos alunos.

* Há aqueles que afirmam sem pudor que “as atuais estruturas de poder da USP sejam pouco permeáveis às aspirações coletivas”, mas participam plenamente dessa “estrutura de poder”, em alguns casos inclusive com cargos.

* Há os que invocam a qualidade do trabalho, sua preciosidade, etc., mas imagino: se fosse esse um critério realmente importante, poderíamos começar a avaliar os que ocupam toda sorte de cargos (especialmente os de direção) para ver se o satisfazem. Por exemplo, enoja-me sempre a expressão “estudante profissional” usada pejorativamente. Eles existem, não tenho dúvidas, mas é bom dizer que existe administrador profissional, aqueles que, à la PMDB, agarram o peixe e nunca o largam. Por exemplo, há um candidato a reitor, agora, que já em 2000 ou 2002, numa greve de estudantes, esteve na FFLCH e foi alvejado como uma galinha ou coisa parecida, pouca importa; a questão é que já era da reitoria havia anos; lá continua. São dez, doze, treze anos: isso não é um professor-administrador profissional? Somos comandados por uma casta que se reveza, famílias que dividem o poder (uma pró-reitoria aqui, um voto ali, uma verba acolá, etc.).

* Dentre os signatários, há alguns que conheço há pelo menos vinte anos (como disse, entrei em 1993 na USP) e nunca foram a favor de nenhuma greve, de nenhuma ação contestatória; uns por índole, muitos porque sempre estiveram ao lado do poder. No caso destes últimos, mesmo que compreensível o espírito Marco Maciel (se há governo, sou a favor), ao menos que tenham a decência de não assinar os questionamentos que vêm no documento, os quais, na boca de alguns, só pode soar como corpo estranho, um coup de force motivado pelo momento.

* Acho uma banalidade discutir se os métodos dos estudantes são bons ou ruins, pois são os únicos disponíveis. Ao menos, algum mérito eles têm: fazem as pessoas se articular em torno de documentos como “Diante da situação”.

* São os melhores expedientes? Não sei, muito provavelmente não. Mas o caso é que renegá-los é simplesmente jogar às traças algumas das formas de combate mais antigas e eficazes de qualquer grupo de contestação. Há alternativas? Sim, mais confortáveis, menos constrangedoras, mas que não são a todos acessíveis. Tomo a liberdade de retomar aqui trecho de uma mensagem que enviei a esta mesma lista há alguns anos (as questões se repetem, os comentários também o podem): “Para determinar certas transformações sociais, estou certo de que comprar um deputado é uma maneira mais ‘higiênica’, por assim dizer, para alcançar o mesmo objetivo que uma ocupação de terra, mas será que a compra de parlamentares é acessível a todos? Pois então, há gente que compra deputado, há reitores que compram chefes de unidades, há quem faça piquete, e assim por diante. (A respeito desse ponto, para que não fique no vazio, menciono uma reportagem do Estadão, 14-06-09, p. A24, cujas fontes foram especialmente professores titulares da universidade: ‘Alguns apontam que, na prática, a reitora tem conseguido aprovar medidas nas votações do Conselho Universitário [...] por conta de uma razão: é dela a chave da USP (cerca de R$ 3 bilhões) vai para despesas fixas, como custeio e salários. Rendas extraorçamentárias, como as taxas e laudos produzidos pelas unidades, passaram a ser centralizadas na reitoria. Essa seria a moeda de troca de Suely.).”

* Pois, então. Se queremos mudar algo, os signatários (ingênuos e mal-intencionados, indistintamente) farão uma vaquinha para comprarmos votos no CO? Quem sabe dessa forma não se precisa mais de cadeiraço. As palavras são rudes, sim, mas mutatis mutandis sabemos todos que as coisas funcionam assim, todos tomamos parte de alguma comissão, participamos de colegiados, conhecemos o tipo de mando que a reitoria exerce, e sabemos bem o que é o poder na USP – diz-se que a universidade é fechada à sociedade, mas é um engano; a USP é a cara do país, da sociedade brasileira: poder concentrado, que acaricia e sabe cooptar quando convém, violento quando precisa. Quando vamos “mudar vigorosamente de atitude”? Contra cadeiraços é fácil, difícil é dizer às claras como as coisas funcionam.

* Por fim, não falo dos métodos, mas em geral muitas das teses do movimento estudantil (e das análises que as sustentam) são lastimáveis. Certo fetiche com a ideia de “diretas para reitor”, inclusive (se as tivéssemos não se mudaria muito a universidade, talvez até piorasse). Agora, um mérito os estudantes têm: fazem política, e a fazem às claras (um cadeiraço é um ato político claro para quem quiser ver). Na contramão: 1) os mandatários da universidade sufocaram a política universitária, e por isso ela só pode aparecer sob a forma da explosão, da desordem; 2) não deixam que se faça política, mas a fazem muito, sempre escondido e de maneira mistificada. Por que Rodas é reitor? porque era próximo a Serra; por que está em desgraça? porque o grupo de Alckmim está tomando conta do PSDB (Folha de S. Paulo dixit). Isso é política, acho normal que aconteça. Mas aventar a qualidade, a excelência, a vida universitária, os princípios de não-sei-o quê, etc., etc., isso é mistificação; talvez sejam palavras bonitas para a imprensa, porém não dizem nada da realidade universitária que conhecemos.

Desculpem o malajambramento das impressões.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Ata Assembleia da Filosofia, 21/10/2013

Assembleia dos estudantes de filosofia da faculdade de filosofia, letras e ciências humanas da universidade de são Paulo, 21 de outubro de 2013

Informes:

Houve plenária dos três setores hoje, 21 de outubro de 2013

21/10 (segunda): Ato em frente a reunião de negociação, no CRUESP, às 10h

22/10 (terça): Arrastão pela USP e ato em direção ao MASP a partir das 15h

23/10 (quarta): Audiência pública com Rodas em frente a reitoria às 10h

ADUSP aprovou também uma paralisação dxs professorxs na 4ª.

24/10 (quinta): Assembleia geral dos estudantes às 18h em frente a reitoria ocupada

28/10 (segunda): Comando de greve na reitoria ocupada às 18h

Encaminhamentos:

1.   Manutenção da greve no curso de filosofia: três pessoas foram contrárias

2.  Apoio à ocupação no campus de São Carlos

3.  Aprovação da carta à Comissão de Qualidade de Vida do Prédio do Meio

4.  Eleições do CAF: Adiamento das eleições do CAF até o final da Greve

5.  Eleições de DCE (indicativo para a Assembleia Geral): Adiamento das eleições do DCE até o final da Greve

6.  Indicativo para a Assembleia Geral: Que a USP se incorpore ao ato que ocorrerá no CO da UNESP dia 31/10 às 09h no centro de São Paulo

7.  Indicativo para a Assembleia Geral: Que o Comando Geral de Greve priorize a representação dos cursos em greve, limitando os outros a apenas 1 delegado.

8.  Que os estudantes exijam, por meio de uma carta aos professores e na reunião de departamento, que os estudantes em greve não sejam prejudicados em suas matérias – reivindicar reposições e que as avaliações sejam feitas somente após essas reposições.

9.  Atividade de Greve: Para fortalecer nossa unidade com os professores que apóiam o movimento: que a assembléia dos estudantes de filosofia delibere por uma aula pública com professores de filosofia, na filosofia. Com indicativo de horário às 14h e data a ser decidida no Comando de Greve.

10.  Consulta à assembleia: Os alunos de filosofia tem interesse que seja ministrado um curso de difusão de filosofia oriental, com preferência de preenchimento de vaga para alunos do curso de filosofia, em detrimento dos demais interessados? A assembleia posicionou-se como tendo interesse.

11.  Próxima assembleia do curso de filosofia

Terça ou Quarta da Semana que vem: data será decidida pelo Comando
Horário um pouco mais tarde: 1ª convocação 18h30, 2ªconvocação 19h      





quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Uma Vez Mais

Osvaldo Coggiola

Circula, no âmbito docente da FFLCH, mas já transcendido para a grande imprensa, um manifesto relativo à situação da faculdade no contexto da crise da USP. Ele está (ou estava, na última versão à que tive acesso) assinado por 154 docentes da casa. O número destes, na ativa, é de pouco mais de 460; se incluirmos os aposentados que cumprem funções docentes esse número de eleva para 580, aproximadamente. Ou seja, o manifesto representa a posição de algo entre 25% e 33% do corpo docente, percentual mais do que significativo. Qualitativamente, representa bastante mais do que isso.

O que atualmente acontece na FFLCH é parte inseparável, obviamente, do que acontece na USP e, além dela, do que está acontecendo no país desde o último mês de junho. Certamente, a situação da faculdade é passível de análises e posicionamentos específicos, conquanto não ignorem o contexto geral. A nota referida se refere ao “movimento político legítimo do corpo discente”, imediatamente qualificado, no âmbito da FFLCH, pelo uso de “métodos de coerção inaceitáveis e inapropriados ao convívio universitário”. A Folha de S. Paulo resumiu livre (e tendenciosamente) o conteúdo do documento nas suas “críticas ácidas à forma como as lideranças do movimento estudantil, ligadas a grupos ultraesquerdistas, têm conduzido a mobilização por eleições diretas do futuro reitor da universidade”, ampliando essa qualificação para o conjunto do movimento estudantil, não apenas àquele da FFLCH, no que, como veremos, não lhe falta razão (ao seu modo). Querendo ou não, portanto, o documento ultrapassa objetivamente o âmbito da faculdade. Ele condena “métodos de ação como ‘cadeiraços’, barricadas e piquetes, que impedem o livre acesso às salas de aula e o diálogo entre professores e estudantes”, nada dizendo, por exemplo, sobre a ocupação da Reitoria.

O contexto da atual crise, nacional, estadual e uspiano; histórico e conjuntural (ou “político”); é vital para a compreensão da forma do movimento. Cabe, portanto, em primeiro lugar, interrogar-se sobre a procedência do método consistente em proclamar a legitimidade objetiva do movimento e, simultaneamente, sua ilegitimidade formal; proclamar a validade de seus objetivos e a invalidade de seus métodos. Poderiam se considerar, nessa seara, movimentos “ilegítimos” em seus objetivos (por exemplo, o nazi-fascismo racista e genocida), mas perfeitamente civilizados (ou “legítimos”) nos seus métodos: o fascismo real, não aquele imaginário, soube se mostrar (iludindo mais de um), perfeitamente respeitoso da ordem institucional, quando isso lhe foi necessário. Muita tinta correu, desde então, acerca da legitimidade democrática de instituições em cujo seio cresceu tranquila e alegremente a negação monstruosa da humanidade.

A atual crise da USP é a mais grave dos últimos trinta anos, pelo menos. Suas raízes institucionais (apenas elas) são claras e explícitas. No último quarto de século, a USP situou-se consciente e propositalmente fora do âmbito legal demarcado pela Constituição Federal de 1988 e sua LDB, que prevê a gestão democrática das instituições de ensino, e estabelece pautas normativas para a gestão das instituições universitárias públicas. As raízes políticas da crise estão mais em baixo. Suas raízes sociais, mas em baixo ainda. De docentes da FFLCH se espera, em princípio, que sejam especialmente sensíveis a estas duas últimas dimensões.

Cada tentativa (bem ou mal sucedida) de aproximar sequer um pouco à USP da legislação vigente provocou crises mais ou menos graves (lembrar, por exemplo, a ameaça de professores titulares da Escola Politécnica e da Faculdade de Medicina de separar, tornar independentes, suas faculdades da USP, caso fosse ampliada a constituição do Conselho Universitário, na década de 1980, pouco antes da proclamação da atual Constituição). Certamente, é possível e legítimo defender na e para a USP uma ordem institucional diversa daquela legalmente vigente no âmbito federal, baseada exclusivamente num critério meritocrático (ou hiper-meritocrático), sob duas condições: a) Proclamá-lo explicitamente; b) Propor mudar a legislação vigente (não apenas para a USP, mas também para as mais de cem instituições de ensino superior público do país) ou, alternativamente, propor tornar a USP independente da República Federativa do Brasil - Estado de São Paulo incluído - sem acesso, portanto, aos recursos públicos até o presente auferidos na condição de instituição autárquica das entidades estatais supramencionadas.

Quanto às raízes políticas imediatas da atual crise, elas se vinculam claramente aos recentes movimentos sociais, os maiores, em extensão social e geográfica, da história do país, pautados, entre outras coisas e em primeiríssimo plano, pela questão do direcionamento e gestão pública (transparente e democrática) dos recursos públicos. As características da atual crise, incluídos os métodos usados pelo movimento estudantil para lhe dar resposta, resultaram do agravamento dos componentes históricos e estruturais, políticos e conjunturais, e até éticos e morais, da crise institucional da USP. O documento aqui comentado condena “as derivas autoritárias e truculentas de uma parcela nem sempre representativa dos alunos”, como uma espécie de característica histórica e específica do movimento estudantil da FFLCH.

Ora, no momento de redigir estas linhas, chegou-me, graças aos bons ofícios de um dos colegas signatários do manifesto, declaração de uma parcela também significativa dos docentes do Instituto de Física, condenando “membros do corpo discente que bloqueiam passagens e portas de salas de aula com carteiras amontoadas (...) atitude (que) configura uma tentativa de imposição de um pensamento de desrespeito e intolerância frente a opiniões contrárias... Protestos, manifestações, aglomerações, reivindicações, entre outros, são normais e saudáveis num local onde há pluralidade de pensamentos. Isso não pode, no entanto, servir de justificativa a atos de coerção, de imposição, de impedimento do direito de escolha dos membros da comunidade”. Não sei (e não julgo) o que está acontecendo no Instituto de Física (ou em outras unidades), mas percebo que nossos alunos andaram fazendo escola (parte de nossos docentes também). 

Na verdade, o conteúdo do documento comentado se resume nas suas primeiras três palavras, “uma vez mais”. “Uma vez mais” um movimento estudantil, “uma vez mais” truculência estudantil não representativa, “uma vez mais” instituições uspianas “pouco permeáveis às aspirações coletivas” (e muito permeáveis, em perfeita consonância entre objetivos e métodos, ao uso da Polícia Militar para resolver seus problemas de escassa permeabilidade, prévia ação legal de reintegração de posse, claro). Tudo como dantes no quartel de Abrantes, “uma vez mais”.

Só que, desta vez, “uma vez menos”, o juiz não concedeu a reintegração; “uma vez menos” a Reitoria teve que nomear uma comissão de negociação (em 2002, quando da greve da FFLCH por contratação de docentes, a Reitoria passou meses sem querer negociar nada, com comissão ou sem ela; foi graças a um truculento ato-passeata que rodeou autoritariamente a Reitoria que foram finalmente abertos 130 concursos, que permitiram o ingresso de 130 docentes, boa parte dos quais, como no melhor [ou pior] tango, aparecem ora como assinantes do supostamente antiautoritário documento em tela, não assinado por nenhum dos docentes oradores ou organizadores daquela coercitiva jornada) e “uma vez menos” os estudantes “sérios” (da Física, de São Carlos – matemáticas et al – da EACH, etc.) acham que o convencimento não pode se limitar a palavras (escritas ou ditas), mas implica também ação. Não fomos nós que lhes ensinamos isso?

Há, no movimento de ocupantes e afins, grupelhos, não “ultraesquerdistas”, mas simplesmente (perdão) escrotos, que usam os estudantes como carne de canhão de interesses mesquinhos, ou lúmpens que depredam ou roubam o patrimônio público? Sim, e não “uma vez mais”, mas cada vez menos (percentualmente). Vamos falar disso com os estudantes (eu o fiz, na Reitoria ocupada, a convite deles). Vamos ser professores, não só entre as quatro paredes das salas de aula, mas em toda parte: é o que nos pedem os estudantes.

Tem coisa nova, não só “uma vez mais”. Inclusive o documento aqui comentado. Só assinado por docentes, nenhum estudante, nenhum funcionário (cuja assinatura não se buscou). Enveredando pelo caminho, não do autoritarismo (uso indevido da autoridade, com qualquer fim), mas do corporativismo (palavra de triste passado e de abusivo, mas não menos real presente). Docentes vs. Estudantes. O documento nada diz que não tenha sido dito ao longo dos últimos, digamos, quinze anos; mas não o diz “uma vez mais”, o faz em forma de documento com muitas assinaturas. Ele próprio é um sintoma de que não estamos diante de “uma vez mais”.

A FFLCH, seus docentes, tem, ou deveria ter, a função de estar à frente e em cima de seu tempo. Para isso nós somos, nem sempre o conseguimos. Na Congregação em que votamos estatuinte e diretas para reitor, estivemos em cima e à frente da USP. Com esse documento ficamos, sem meias palavras, atrás e em baixo.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Reflexões sobre o conceito e a função da universidade pública - Franklin Leopoldo e Silva

A motivação política da expansão do ensino superior privado: causas e conseqüências

NUNCA É DEMAIS retornar à gênese dos fatos, para melhor discuti-los. Muito do que se discute atualmente acerca da universidade poderia ser mais bem focalizado se considerássemos determinadas continuidades, por vezes deliberadamente ocultadas sob a capa das novidades ilusórias e das emergências do presente. Desde que o Relatório Atcon diagnosticou o estrangulamento no canal de acesso à universidade, a preocupação dos governos que se sucederam durante a ditadura militar foi a ampliação de vagas sem que isto representasse um investimento significativo. A partir daí é que se firmou a argumentação de que o ensino privado superior cumpriria uma função complementar, tendo em vista a impossibilidade de o poder público arcar completamente com este ônus.

A entrada da iniciativa privada no ensino superior deu-se primeiramente por meio de uma ampliação das atividades que os empresários da educação já exerciam na esfera do ensino básico. Assim, a mesma mentalidade organizacional que fez expandir e consolidar as empresas de ensino de primeiro e segundo graus passou a reger as iniciativas privadas no ensino universitário, até porque se tratava dos mesmos grupos. A idéia era trazer a eficiência empresarial, já comprovada no ensino básico, para o ensino universitário e marcar, também neste nível, superioridade organizacional da empresa particular em relação à instituição pública.

Disto resultaram duas conseqüências de ordem propriamente política. Em primeiro lugar, a proliferação de escolas privadas de ensino superior (o CFE deferiu 759 solicitações entre 1968 e 1972) permitiu o acesso de vastas camadas da classe média ao ensino universitário, atendendo assim a uma expectativa que se vinha tornando cada vez maior. Em segundo lugar, o caráter próprio dessas organizações empresariais supunha naturalmente um perfil de curso superior significativamente distinto daquele dos cursos em instituições públicas. Os parâmetros de eficiência e lucratividade excluíam qualquer ideário pedagógico mais consistente, o que foi substituído pelo senso de oportunidade comercial na organização e venda de serviços segundo o critério da demanda. Este tipo de atitude compunha-se muito bem com o regime autoritário, que entendia a universidade como formadora de "recursos humanos" de acordo com a ideologia do desenvolvimento e da segurança nacionais.

Desta forma, a ditadura encontrou na expansão do ensino privado tanto um meio de se desonerar da responsabilidade educativa quanto um instrumento ideológico eficaz para a adaptação do alunado às regras de comportamento político (ou apolítico) vigentes. Há de se entender também que os parâmetros de lucratividade e eficiência repercutiam diretamente na questão da qualidade e do nível de ensino ministrado. A dependência da clientela para a sobrevivência econômica da empresa gerava naturalmente um nivelamento por baixo das exigências didáticas. Como este rebaixamento redundava num aumento visível do número de graduados em nível superior, isto também vinha ao encontro das expectativas do governo, na medida que constituía uma maneira de alimentar com ilusões e falsas esperanças os anseios de ascensão da classe média.

É preciso considerar como vivenciamos hoje as conseqüências desta idéia perversa de expansão e democratização do ensino superior. O conceito de eficiência organizacional como condição da atividade universitária está definitivamente implantado na instituição pública. Proliferam as análises que tentam diagnosticar todas as dificuldades enfrentadas pelas universidades públicas como derivadas de defeitos na gestão. Como a instituição pública é em geral mais complexa que a empresa de ensino privada, por ter de atender a expectativas mais amplas de atuação, o modelo econômico-pragmático de administração não pode se restringir naturalmente à gestão econômica, estendendo-se então à totalidade das atividades, que passam a se subordinar, em larga medida, às injunções gestionárias. A aplicação do modelo privatista a instituições que, pelo menos em tese, se caracterizam pela prioridade dos aspectos intelectuais e acadêmicos, gera as contradições que existem atualmente, mascaradas pela progressiva adaptacão do trabalho intelectual e acadêmico às novas exigências, o que passou a ser visto como condição de sobrevivência acadêmica e por isto foi introjetada por grande parcela do corpo docente, a ponto de se tornar a cada dia algo mais "natural", mas "racional" e mais "sensato".

Ora, as empresas de ensino superior, ao contrário das escolas confessionais, sempre condicionaram a eficiência de sua organização a uma independência do poder público. Em troca dos serviços prestados, que desoneram o governo de parte de suas responsabilidades pela educação, reivindicam com freqüência que este mesmo governo não interfira no modo como essas escolas se organizam, como organizam o ensino e principalmente nos critérios de fixação e reajuste de mensalidades. A razão é simples: dependendo exclusivamente do pagamento dos alunos para a sua sobrevivência, e não de verbas governamentais, a qualidade e extensão dos serviços prestados estão diretamente vinculados à autonomia na gerência dos custos, nomeadamente na captação das mensalidades. Assim, firma-se a idéia — que até bem pouco tempo era diretriz de todas as escolas superiores não confessionais — de que uma organização de ensino deve viver do que cobra de sua clientela, administrando com a máxima eficiência estes recursos.

Gratuidade, elitismo e necessidades sociais

Esta ligação entre eficiência e inserção adequada no mercado parece exercer um certo fascínio sobre aqueles que se manifestam favoráveis à extinção da gratuidade. A idéia de que a eficiência anda de mãos dadas com recursos gerados a partir de captação no mercado, e de que o ensino é um produto que deve ser posto no regime de competição como todos os outros, se opõe à imagem da acomodação, do conservadorismo e da ineficiência das instituições que, contando com verbas públicas, não dependem de estratégias eficientes para sobreviver no mercado. Este argumento supõe a concepção de que o regime de competição seja a única forma de conduzir à eficiência. Se as instituições públicas adotarem eventualmente uma estratégia de extinção gradual da gratuidade, num processo pensado a médio prazo, em que a cobrança de taxas módicas conviveria com alguma subvenção pública, isto redundaria no oferecimento de ensino de qualidade a preços competitivos no mercado.

A este argumento, aparentemente fundado na necessidade de eficiência organizacional, junta-se outro, que tem a ver com uma concepção "mitigada" de ensino pago e que apela para a necessidade de "democratização" do ensino público superior. Consiste em propor que se cobrem taxas daqueles que podem pagar para, com tais recursos, financiar aqueles que realmente só poderiam estudar em condições de gratuidade. A objeção mais imediata ao aparente bom-senso desta proposta pode ser formulada examinando-se o que se entende por "democratização" e as causas pelas quais a universidade pública pode ser acusada de "elitismo". Democratização significa, neste contexto, que o acesso à universidade não dependa de condições sócio-econômicas e que os critérios de ingresso não favoreçam as pessoas que detêm situação sócio-econômica privilegiada. O que se pode constatar, até mesmo estatisticamente, é que a condição sócio-econômica parece representar papel decisivo no ingresso em várias carreiras, principalmente nas universidades públicas mais bem conceituadas.

A superioridade da situação sócio-econômica se traduz, neste caso, por melhores condições de preparo para o vestibular: bons colégios, o que no nosso contexto significa colégios e cursinhos caros, existindo aí o entrecruzamento do aluno melhor preparado com o aluno que dispõe de condições sócio-econômicas para atingir este nível. Sabe-se que nas carreiras menos competitivas a proporção de ingressantes oriundos de colégios públicos é maior. O que esta situação revela não é a substituição do mérito pela condição sócio-econômica, mas sim que aqueles que dispõem de meios estão mais aptos a cumprir os requisitos de mérito. Supondo a aceitação do critério do mérito como o mais adequado, é possível verificar que a discussão se situa muitas vezes num patamar inadequado.

O desinteresse generalizado dos governos pela escola pública básica gerou a distância enorme que atualmente se constata entre o ensino básico e a universidade pública em termos de qualidade de ensino. Esta distância só tende a aumentar se persistirem, de um lado, o processo de deterioração do ensino básico público e, de outro, as exigências para o ingresso nas universidades públicas. Parece claro, diante disto, que a alternativa para que se diminua o "elitismo" não pode ser a adaptação da universidade à indigência do ensino básico, mas sim a recomposição da escola pública de primeiro e segundo graus. E esta é uma questão política porque tal recomposição dependeria de uma profunda revisão das prioridades que orientam a atuação dos governos.

Não se trata apenas de um problema de "reestruturação" interna das atividades de ensino, mas de uma opção política mais ampla, que considere a questão nos seus vários aspectos, o principal dos quais é o resgate da figura do professor da escola pública básica. O alcance das mudanças necessárias exige, pois, uma inflexão decidida num processo histórico de degradação do ensino, que parece ter sido assumido como irreversível. Assim, a situação que se configura como "elitista" tem raízes profundas fora da universidade, já que os colégios públicos não oferecem condições para que seus alunos possam competir em condições de igualdade. Como não é possível mudar a situação de competitividade, somente a recomposição da escola pública implicaria uma democratização das oportunidades. Vemos então que a "democratização da universidade" não é uma questão que possa ser resolvida somente pela universidade.

Não se pode também confundir democratização do acesso com atendimento a carências da sociedade, que na maioria das vezes existem como efeito de opções políticas mais amplas assumidas pelos governos. A idéia de que a universidade pública destina-se aos carentes é equivocada ou demagógica. Ela destina-se a todos aqueles que cumprem os requisitos de ingresso. Ocorre que as universidades públicas mais conceituadas têm uma história caracterizada pela manutenção de um elevado padrão de ensino e de exigências, o que já está presente, pelo menos em parte, nos exames de ingresso. Essas exigências estão largamente distanciadas do preparo que o aluno do colégio público recebe. Juntando-se a isto o número cada vez mais elevado de postulantes, o resultado é o afunilamento que, na prática, se traduz nas diferenças sócio-econômicas. A universidade não resolve por si mesma e imediatamente as carências sociais, embora possa contribuir, na esfera que lhe é própria, para o encaminhamento de soluções. Está inscrita na própria idéia de autonomia universitária uma relação mediada com a sociedade.

A concepção de que a universidade deveria ter uma relação direta com as necessidades sociais é profundamente contrária à autonomia que deve caracterizar o ensino e a pesquisa. Com efeito, "necessidades sociais" permanece algo abstrato enquanto não for explicitado por alguma instância que as interprete na forma de prioridades, diretrizes e orientações que atendam efetivamente a tais necessidades. No plano das relações institucionais esta instância tende a ser o Estado e, na prática, os governos. Deste modo correr-se-ia o risco de inserir a universidade no ritmo das conjunturas políticas que se sucedem, o que equivaleria a um profundo desequilíbrio do trabalho universitário, o qual deve ser orientado por um núcleo permanente em que resida o ideário mais amplo e mais originário pelo qual a instituição se deveria pautar.

Autonomia, caráter público e função social da universidade

A que necessidades sociais responde o ensino superior privado? Certamente, àquelas que são filtradas pelo mercado. É esta correspondência imediatista à demanda que se reflete na organização empresarial das escolas particulares, e esta inserção direta no mercado constitui critério a que se submetem todos os aspectos da organização do ensino. Neste sentido, a expansão do ensino privado é conseqüência da visão do mercado como critério universal. Se isto estava confusamente embutido na opção dos governos da ditadura, agora trata-se de algo plenamente manifesto na vigência das escolhas neoliberais. Boa parcela das acusações de arcaísmo, corporativismo e ineficiência feitas à universidade pública visa, na verdade, ao distanciamento que ela, em grande parte, ainda mantém do mercado. E por não estar limitada pelas injunções do mercado é que a universidade pública pode cumprir o seu papel histórico e social de produção e disseminação do conhecimento, e também manter com a cultura uma relação intrínseca que se manifesta numa possibilidade de reflexão que foge aos moldes do compromisso imediatamente definido pelas pressões de demanda e de consumo.

É sabido que as universidades públicas que atingiram altos padrões de ensino e pesquisa foram aquelas que optaram pela valorização da dedicação exclusiva e pela pesquisa básica, isto é, exatamente aquelas que mantêm, em meio a todas as dificuldades, um grau elevado de independência com relação às injunções imediatas do mercado. E os obstáculos atualmente enfrentados para a manutenção destes requisitos refletem as pressões externas (e em grande parte já introjetadas) que a instituição vêm sofrendo.

Tais pressões, profundamente desintegradoras, tendem a anular a diferença entre instituição pública e organização empresarial, o que é uma conseqüência do processo de desmantelamento do espaço público, atualmente em curso. Na impossibilidade de examinar-se aqui as raízes históricas deste processo, que é mundial, interessanos analisar alguns dos seus aspectos que interferem diretamente na vida das universidades públicas brasileiras. O projeto de universidade mais cuidadosamente formulado na história do país foi o da Universidade de São Paulo, amadurecido entre os anos 20 e 30 por liberais ilustrados, preocupados com a consolidação da República num país de tradições rasas e em cuja cena política dominavam as oligarquias, vistas pelos liberais paulistas como lastro inútil e indesejável, responsável pela lentidão do ingresso na modernidade política. É interessante notar que a decantada "formação das elites", bandeira ostensiva do grupo que então pensava a futura universidade, aparecia como algo indissoluvelmente ligado ao caráter público da universidade, sendo visto como a maneira de superar os vícios que proliferavam no cenário político.

As novas elites, resultantes de um processo de formação cultural concebido a partir de horizontes amplos e desvinculados dos limites profissionalizantes, descomprometidas com as motivações sócio-econômicas que viabilizavam a reprodução da política oligárquica, deveriam fazer frutificar uma mentalidade propícia ao cultivo dos mais elevados valores culturais e políticos, que se concebia naturalmente como sendo aqueles vinculados ao ideário liberal.

Qualquer que seja o juízo que se faça acerca da ideologia subjacente à proposta, há de se convir, mormente num olhar retrospectivo, que se pensava numa convergência entre a universidade pública, a coisa pública e o homem público. Deliberadamente ou não, e mesmo com graus variáveis de autenticidade, o liberalismo ilustrado da época, ao menos no contexto da campanha pela universidade, conferiu ao público o estatuto de um valor, concebendo a universidade pública como o lugar apropriado para a discussão e a construção de valores. Ainda que se possa ver aí um certo direcionamento, definido a partir de posições ideológicas determinadas, é possível perceber, ao menos residualmente, uma iniciativa de promoção do público e do institucional a condições indispensáveis à consecução de finalidades consideradas positivas para a sociedade em vias de organização.

Este papel preponderante do público na organização da sociedade entraria depois em declínio: sua breve revitalização nos anos imediatamente anteriores ao golpe militar de 64 poderia ser vista como a melhora que por vezes antecede a morte do doente. Atualmente vivemos a ocupação do espaço público pelos meios de manipulação e mistificação da opinião, meios voltados para a finalidade de diluir este espaço. O fato de que o governo desenvolve um processo acelerado de isentar-se de suas responsabilidades públicas é testemunho eloqüente desta perda. A universidade sofre as conseqüências deste processo. Da valorização da iniciativa pública de projetar uma universidade — que o liberalismo ilustrado considerava como dever cívico — à valorização da iniciativa privada no ensino por parte da ditadura e do liberalismo tecnocrático, foi percorrido um caminho em que a brevidade cronológica contrasta com a intensidade da degradação.

É claro que, no caso do ensino superior, as ameaças que pesam sobre a universidade pública são os sintomas evidentes da deterioração da concepção de universidade. A prova disto é que pouco se atenta para determinadas características e funções que dificilmente seriam mantidas fora da universidade pública, e que incidem diretamente no ensino, na pesquisa e na vida cultural do país. A dedicação exclusiva ao ensino e à pesquisa que, como já mencionamos, é fator preponderante no aprimoramento das atividades nas melhores universidades públicas, não foi pensada pelos seus idealizadores como uma medida técnico-administrativa, visando a maior eficiência do trabalho universitário. Ela foi uma opção política decisiva no processo de qualificação da atividade acadêmica. Significa um investimento direto na formação constante do docente-pesquisador, a partir de uma visão ampla da relação entre ensino e pesquisa, cuja indissociabilidade está no núcleo do ideário de excelência acadêmica.

O fato de a pesquisa básica ter se desenvolvido graças a esse fator mostra a vinculação intrínseca deste regime de trabalho com uma idéia de universidade que se pauta pela recusa de entender o ensino e a pesquisa como serviço e mercadoria. A produtividade acadêmica, em nível didático ou da pesquisa, não se vincula a produtos ou à venda de serviços. E foi precisamente graças a este distanciamento que a universidade pôde contribuir para a solução de problemas nos mais variados aspectos da organização social: porque tais soluções surgiram a partir da liberdade de pesquisa e de uma visão de maior alcance das relações entre a ciência e o desenvolvimento tecnológico. São as mediações que resguardam a universidade pública da subordinação imediata ao mercado e os fatores que permitem a qualidade de sua contribuição à sociedade. É a independência nos processos de investigação e de debate que garante o desenvolvimento da produção, da transmissão e da aplicação do saber. Aqueles que assimilam tais características ao desinteresse e à "torre de marfim" demonstram desconhecimento das especificidades do trabalho universitário, e de seu alcance histórico-social.

A autonomia da universidade, requisito para a realização da idéia de universalidade, não significa que a instituição abstrai o contexto social no qual se insere. A independência, como distanciamento crítico, possibilita, ao contrário, que este contexto possa ser pensado como um pólo de relação que não se confunde com qualquer conjunto de interesses particulares, sejam eles mercadológicos, empresariais ou políticos. A abstração ocorreria precisamente se a universidade servisse imediatamente a determinados interesses, com exclusão de todos os outros que atravessam uma sociedade complexa e contraditória.

O investimento necessário ao desenvolvimento da pesquisa básica e a manutenção da condição indispensável da dedicação exclusiva exigem o comprometimento do Estado. As finalidades próprias de uma organização empresarial não suportariam tal compromisso. Assim, há de se convir que as atividades fundamentais da universidade estão intrinsecamente vinculadas ao caráter de instituição pública. A quem serve a pesquisa básica? Do ponto de vista de interesses imediatos, a ninguém. Do ponto de vista de sua inserção num projeto histórico-político emancipatório de dimensões amplas, serve a todos, serve à nação. Por desprezarem esta mediação e esta diferença, muitos vêem na pesquisa básica e na dedicação exclusiva um ônus pesado e inútil. Parte dos que pensam assim o fazem por ignorância; outros, entretanto, representam interesses político-econômicos que seriam mais bem atendidos por um projeto contrário ao desenvolvimento social e à emancipação. E, lamentavelmente, entre estes últimos encontram-se aqueles que estão em posição de interferir nos destinos da universidade pública.

Universidade pública e cultura

É preciso considerar também os aspectos da relação entre universidade e cultura. Quais são as condições de preservação, de apropriação da cultura, e de reflexão crítica sobre ela? Mesmo um diagnóstico superficial da época em que vivemos é suficiente para mostrar a precariedade destas condições. O ritmo do tempo histórico, marcado pelo círculo perverso entre produção e consumo até mesmo daquilo que entraria na categoria dos "bens culturais": o imediatismo e o caráter efêmero e disperso dos interesses que os indivíduos são encorajados a cultivar, a fragmentação e a distorção da informação, a mercantilização extremada dos meios de comunicação, a prioridade da realização de anseios impostos por um processo de racionalidade ideologicamente comprometido com critérios definidos de forma unilateral, estão entre os fatores que tendem a desagregar a identidade cultural.

Os acessos ao mundo da cultura são cada vez mais intensamente submetidos a mecanismos alienantes, sem que o Estado assuma qualquer medida no sentido de garantir o acesso efetivamente democrático: pelo contrário, os poderes públicos se fazem cúmplices dos oligopólios midiáticos. A universidade pública é a única instância em que se pode resistir, de alguma maneira e por mais algum tempo, talvez, a este processo que traz na sua própria dinâmica um objetivo destruidor. A universidade pública é a instituição em que a cultura pode ser considerada sem as regras do mercado e sem os critérios de utilidade e oportunidade socialmente introjetados a partir da racionalidade midiática.

Esta é a razão pela qual se critica a universidade por abrigar tantas coisas "inúteis", tais como a Filosofia, as Letras Clássicas, os Estudos Literários etc. Mesmo as áreas de Humanidades que se constituíram como ciências na modernidade — como Sociologia, Antropologia ou História —, entram também de alguma maneira no rol dos ornamentos supérfluos, a menos que se prestem diretamente a se transformarem em instrumentos de poder tecnocrático. O patrimônio cultural é redefinido e reapropriado a partir de critérios extrínsecos. Para que a disseminação pública da cultura fuja a estas determinações pragmáticas e economicistas é necessário um espaço público de preservação, de apropriação e de reflexão. As atividades que aí se desenvolvam não se podem subordinar a critérios da expectativa de retorno de investimento. Por isto a universidade como instituição pública pode assumir a função de garantir o efetivo caráter público de que em princípio se revestem os bens de cultura historicamente legados ao presente, à medida em que estes não se apresentem como produtos que as organizações comerciais de ensino possam vender no mercado.

Faz parte da autonomia da universidade pública esta relação intrínseca com a cultura, que permite que o acesso não seja filtrado por dispositivos discriminadores montados em outras instâncias da vida social. É esta publicidade da cultura, que só na instituição pública pode se articular em algum grau, que garante o conhecimento, a apropriação intelectual, a reflexão, a crítica e o debate.

E isto significa democratização, atendimento ao direito que tem o cidadão de participar da cultura. Franklin Leopoldo e Silva é professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Greve de Alunos

Prof. Dr. Lincoln Secco, do Departamento de História da USP

Imagine que durante uma greve de professores universitários os alunos tomem a seguinte decisão: "Como esta greve não é nossa, exigimos a contratação de professores substitutos, pois temos direito à aula". Jamais o movimento estudantil agiu desta forma torpe. Todavia, é comum que greves isoladas de alunos suscitem a ira mesmo de professores que fazem suas próprias greves. Argumentam que o corpo discente não realiza greve posto que não trabalha. Mas numa universidade acoplada intimamente à reprodução do capital é no mínimo duvidoso afirmar que professores, alunos de graduação e pós graduação não concorram coletivamente para a geração de conhecimento científico. Lembremos que a ciência é uma força produtiva. Mas o que importa é que a universidade não se reduz à sala de aula ou aos laboratórios de pesquisa. A sociedade espera dos estudantes que eles aprendam a conviver, a participar em assembléias, a decidir coletivamente e aceitar os riscos de suas decisões. Os conteúdos das disciplinas escolares não são um fim, mas um meio. O fim é a autonomia que permite que novos pesquisadores, docentes e, especialmente seres humanos melhores se formem. Por isso, numa verdadeira universidade os alunos aprendem dentro da sala de aula e fora dela. A categoria dos professores não é obrigada a participar de uma greve que ela não decidiu, contudo, ela tem o dever de prestar solidariedade aos seus alunos. Solidariedade não exige concordância ou participação. O que se espera é apenas que os professores não se comportem como patrões dos seus alunos, vociferando pedidos de punição e praticando a humilhação daqueles que ele tem o dever de ajudar a se auto-educar. Os alunos são a única categoria desinteressada na universidade pública. Não lutam por salário ou privilégios. Em suas ações cometem erros táticos e exageros utópicos. Ainda bem! Entre o "erro" de uma porta quebrada ou um piquete erguido e o acerto de malversações de verba pública decididas por uma cúpula que não é eleita e não se reporta a ninguém, o que você prefere?"

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Manifesto de Professores da USP


A Universidade de São Paulo é considerada uma das melhores e mais conceituadas universidades da América Latina. Mas nem mesmo todo o reconhecimento de que a USP usufrui é capaz de esconder a crise institucional com a qual convive. Uma crise que vem se agravando e que cada vez mais ameaça suas atividades-fim.

O Conselho Universitário, supostamente com o intuito de reconhecer e propor soluções para a crise, e com a justificativa de “ampliar a democracia” na USP, aprovou o alterações nos critérios de eleição para Reitor e Vice-Reitor que nem de longe atendem aos anseios de democratização da universidade.

Mesmo assim, embora seus principais dirigentes neguem a existência da crise, é emblemático o fato de a maioria do próprio Conselho Universitário reunido no último dia 01 de outubro de 2013 ter votado favoravelmente à proposta de instalação de uma Estatuinte (58 votos favoráveis contra 47 contrários). Nada mais urgente. No entanto, a proposta não foi aprovada por não ter alcançado dois terços dos votos, requeridos pelo estatuto atual.

O resultado a que se chegou na última reunião do Conselho Universitário demonstra que esse órgão, pela sua composição atual, é incapaz de refletir as diversas opiniões existentes na universidade e, portanto, incapaz de oferecer soluções para a crise.

Não tendo oferecido soluções para a crise, sucedeu-se o inevitável. A recente ocupação da antiga Reitoria pelos estudantes é apenas expressão de uma incapacidade endêmica do atual modelo institucional – no que se inclui a gestão universitária – de canalizar os conflitos nela existentes de forma criativa e construtiva. A resposta do atual Reitor à ação dos estudantes apenas reforça a percepção generalizada de que a Reitoria age de maneira desmedida, abusiva e autoritária.

Em recente entrevista à imprensa, o Reitor João Grandino Rodas passou de todos os limites quando culpou o movimento estudantil pela queda da USP em rankings internacionais, desviando a atenção dos reais problemas da USP.

Contudo, se o atual Reitor exacerbou sistematicamente a prática do arbítrio e do abuso, o ponto é que o modelo institucional da USP permite que o Reitor aja dessa maneira.

A USP encontra-se sufocada. Não consegue mais conviver com o arbítrio, a falta de transparência, a intimidação como método, a corrupção do interesse público pelo interesse privado e uma estrutura de poder que permite tudo isso, na medida em que alija do debate e das decisões a ampla maioria da comunidade universitária.

É no trabalho de ensino e pesquisa de seus mais de cem mil membros, entre docentes, alunos e servidores não docentes, que está o mérito da USP. E justamente por que a comunidade é a base do mérito é que se faz necessário um amplo e vigoroso processo de abertura e democratização de nossa universidade.

Por isso acreditamos ser absolutamente necessária uma Estatuinte democrática e soberana, eleita especificamente para fazer uma reforma no Estatuto da USP, e manifestamos nossa posição de que seja aberto um canal de dialogo entre estudantes e a reitoria, com participação das representações dos docentes e funcionários.

Adma Muhana

Adrián Pablo Fanjul

Alle Menschen werden Brüder

Aurea Ianni

Cilaine Alves Cunha

Deisy Ventura

Helder Garmes

João Adolfo Hansen

Laura C.M. Feuerwerker

Leon Kossovitch

Lincoln Secco

Mauro Zilbovicius

Paulo Arantes

Paulo Capel

Raquel Rolnik

Ricardo Musse

Ata Alternativa da Assembleia Geral dos Estudantes da USP 16/10/2013

CALENDÁRIO

- comando de greve amanhã às 18h na Reitoria.

- 18.10 (sexta): trancaço nos 3 portões de manhã (6h), exigindo negociação com reitoria no dia em que xs estudantes escolham a data/horário e volta da água e luz na ocupação.

- 21.10 (segunda): indicativo de data de assembleias de curso.

- 22.10 (terça): ato-marcha-show, com banda, movimentos sociais e intelectuais, incorporado com ato pela educação, saindo do Largo da Batata às 16h e vindo até a USP x ato unificado com professorxs sobre a Educação

(na rua) - GANHOU

 *comando de greve decide trajeto do ato (ganhou) x assembleia decide trajeto

- 23.10 (quarta): ato em frente à audiência pública com o Rodas (que provavelmente será dentro da USP - se não for, será na ALESP)

- 24.10 (quinta): ASSEMBLEIA GERAL às 18h (no mesmo dia, no mesmo horário de uma atividade do Núcleo de Consciência Negra)

- 25.10 (sexta): COMANDO de GREVE às 18h na Reitoria.

INICIATIVAS-INDICATIVOS para o Comando de Greve

- Carta às/aos trabalhadorxs para explicar o que está ocorrendo.

- GT Estatuinte em cada curso

- Comissão dos 3 setores, vinculado ao Comando de Greve, para pensar a forma mais viável para iniciar o esvaziamento dos blocos K e L para que virem Moradia.

Ata Assembleia da Filosofia 14/10/2013

Deliberações:

- Manutenção da Greve

- Manutenção do Cadeiraço

- Ratificação das Pautas de Mobilização tiradas na última Assembleia Geral

- Delegados do Comando de Greve Geral
 - Mariana
 - Daniel
 - João
 - Caio
- Suplentes
 - Dimitrios
 - Inauê
 - Uirá
 - André
 - Keny
 - Rafael
 - Felipe
- Plenária do curso de Filosofia ocorra na primeira semana de novembro e que a próxima assembleia dos estudantes tire pontos de pauta para esta plenária

- Atividade explicativa sobre o Manual de Convivência, a ocorrer dia 16.10 ou 17.10

- Que a assembleia dos estudantes de filosofia referende à carta com as reivindicações de melhorias no prédio do meio, elencados em reunião abertas

- Apoio e divulgação à intervenção artística do dia 17.10 em frente a reitoria

- Que a assembleia dos estudantes de filosofia se posicione contrária a anulação dos cursos neste semestre, bem como toda forma de medida de ataque ao direito de organização dos estudantes.

Reivindica-se a reposição das aulas para o término do semestre letivo.

- GT: acompanhar o andamento dos cursos

- Indicativo para assembleia geral: Trancaço nos 3 portões

- Campanha com cartazes e panfletos tratando da atitude desrespeitosa de alguns professores com relação à greve

- Ato performático arrastão pela FFLCH, terminando na casa de cultura japonesa para inviabilizar a aula do professor Carlos Alberto

- Reivindicação de Curso: que os estudantes do primeiro ano possam mudar de turno

- Indicativo de pauta para a próxima assembleia da filosofia:

- Congresso da Filosofia

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Calendário de Greve 14/10/13 até 18/10/13

(Evento de calendário do DCE)

SEGUNDA 14/10

Assembleia dos estudantes de Filosofia - https://www.facebook.com/events/186289601559252/?source=1
Reunião do Comando de Greve

TERÇA 15/10
Ato dos estudantes e movimentos sociais em defesa da educação pública e pela democratização das universidades!

Concentração às 16h no Largo da Batata e caminhada até o Palácio dos Bandeirantes. Evento no Facebook.

QUARTA 16/10
18h Assembleia Geral dos Estudantes da USP na reitoria

QUINTA 17/10
Reunião do Comando Geral de Greve
(as atividades do curso serão fechadas na assembleia de segunda ou na reunião do comando

DECISÃO FAVORÁVEL AOS ESTUDANTES ACERCA DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE DA REITORIA

"Vistos. Em resumo, a USP pede liminar de reintegração na posse do prédio de sua administração central ocupado desde 1o de outubro deste ano por estudantes como protesto em virtude da ausência de debate democrático pela Reitoria em relação a diversas propostas, notadamente a de democratização das eleições para a Reitoria, isto é, eleição do Reitor diretamente pelos estudantes, professores e servidores. Segundo os estudantes disseram em audiência de conciliação, o estopim para a ocupação acima teria sido a omissão da Reitoria em responder ao pedido (formulado em 19 de setembro) de abertura a todos os estudantes da reunião do Conselho Universitário, realizado no dia 1o de outubro, e o impedimento efetivo de participação dos estudantes, professores e servidores no referido ato. Alegou-se, ainda, que alguns conselheiros teriam sido impedidos inclusive de ingressarem no local de reunião, deixando, assim, de participarem da votação. Na audiência de conciliação, designada por este juízo, houve a formulação de uma proposta intermediária às apresentadas inicialmente pelas partes para a desocupação, consistente no início do diálogo da Reitoria com as entidades dos estudantes, professores e servidores concomitantemente com a desocupação do prédio. A Reitoria insistiu que a desocupação precedesse o início da negociação, muito embora sequer tenha sinalizado firmemente com uma data para tanto. Nesse contexto, para a concessão da liminar pretendida que, pelo clima de acirramento com a Reitoria, ensejaria uma desocupação involuntária, isto é, com o uso da forca policial contra estudantes universitários, é de se ponderar se os custos à imagem da própria USP e à integridade física dos estudantes da imediata reintegração na posse são maiores do que os relativos ao seu funcionamento parcial e ao seu patrimônio material (aqui, de concreto, há apenas notícia de danos na porta de entrada da administração central). Certamente, é muito mais prejudicial à imagem da USP, sendo a universidade mais importante da América Latina, a desocupação de estudantes de um de seus prédios com o uso da tropa de choque, sem contar possíveis danos à integridade física dos estudantes, ratificando, mais uma vez, a tradição marcadamente autoritária da sociedade brasileira e de suas instituições, que, não reconhecendo conflitos sociais e de interesses, ao invés de resolvê-los pelo debate democrático, lançam mão da repressão ou da desmoralização do interlocutor. Aqui, não se olvide que sequer escapa desse "pensamento único", infelizmente, a maioria da mídia e da própria sociedade, amalgamada, por longos anos, nessa tradição de pensamento autoritário. Essa ponderação ganha ainda mais razoabilidade, diante do contexto fático citado acima, de ausência total de disposição política da Reitoria de iniciar um debate democrático com os estudantes, professores e servidores a respeito de diversos temas sensíveis e relevantes à melhoria da própria qualidade da universidade. Um deles, sem dúvida, é o de eleição direta para Reitor. O próprio Poder Judiciário do Estado de São Paulo sofre as agruras de normas editadas em regime de exceção, absolutamente antidemocráticas, para a eleição de sua cúpula administrativa. De outro lado, cabe outra ponderação. A ocupação de bem público (no caso de uso especial, poderia ser de uso comum, por exemplo, uma praça ou rua), como forma de luta democrática (artigo 5º XVI da CF), para deixar de ter legitimidade, precisa causar mais ônus do que benefícios à universidade e, em última instancia, à sociedade. Outrossim, frise-se que nenhuma luta social que não cause qualquer transtorno, alteração da normalidade, não tem forca de pressão e, portanto, sequer poderia se caracterizar como tal. No caso, considerando o principal objetivo da pauta de reivindicações dos estudantes, professores e servidores, que é a democratização da gestão da USP - por sinal, prevista na LDBEN-, indiscutivelmente, eventual beneficio decorrente da ocupação, como forma de pressão, é muito superior à interdição parcial de funcionamento administrativo da USP e aos danos de pequena monta ao seu patrimônio, pelo que consta dos autos. Desta forma, - como pareceu ter ficado claro na audiência -, havendo ainda a possibilidade de retomada do prédio sem o uso da força policial, bastando a cessação da intransigência da Reitoria em dialogar, de forma democrática, com os estudantes, e, ainda, considerando, como dito acima, que, nesse momento, a desocupação involuntária, violenta, causaria mais danos à USP e aos seus estudantes do que a decorrente da própria ocupação, indefiro, por ora, a liminar de reintegração de posse. Ademais, anote-se que a Reitoria, ao invés da abertura de diálogo com os estudantes para a imediata retomada do prédio e da normalidade de funcionamento administrativo da universidade, ingressou com a presente ação que, pelo contexto, ela própria sabe, poderá culminar na desocupação violenta, com maiores prejuízos à imagem de uma instituição acadêmica da relevância da USP e aos estudantes do que os até então causados. Na realidade, pode-se dizer que a Reitoria, sem iniciar qualquer diálogo com os estudantes, ao judicializar tal ocupação política, fez um opção clara pelo uso da força, ao invés, do debate democrático. Não se pode nem alegar que os estudantes ao ocuparem o prédio também assim agiram, pois, como vimos, aparentemente, foi a ausência de diálogo o motivo preponderante da ocupação, medida custosa à USP e aos estudantes, porém, ainda assim, em menor grau do que a manutenção de normas eletivas de cunho autoritário, a meu ver. Por fim, ouso dizer que o Poder Judiciário não pode mais, simplesmente, absorver conflitos negados pela postura antidemocrática dos demais poderes, sob o manto protetor de qualquer instituto jurídico -, no caso, o da posse -, sem o risco de ele próprio praticar o mesmo autoritarismo (repressão), os quais, na maioria das vezes, de modo irresponsável, são lhe transferidos pelos administradores de plantão. No mais, aguarde-se a vinda das contestações."

Ata Assembleia da Filosofia 09/10/2013

Dia 09/10/2013 (terça-feira), ocorreu a Assembleia dos estudantes de Filosofia, a qual contou com mais de 110 estudantes do curso. Neste fórum os estudantes deliberaram:

- pela manutenção da greve no Curso de Filosofia;

- pela manutenção da utilização de cadeiraços para garantir a greve, quando necessário;

- que a pauta “por um governo tripartite” seja considerada apenas como bandeira do movimento e não como eixo. Este indicativo será levado à Assembleia Geral dos estudantes da USP que ocorrerá no dia 10/10/2013.

- pela manutenção do apoio à ocupação da reitoria.

- que o comando de greve da filosofia busque contato com o comando de greve da Ciências Sociais para construir atividades unificadas no prédio do meio.

- que seja criado um Grupo de Trabalho (GT) sobre a participação na estrutura de poder na USP, que se embase em materiais já produzidos pelo GT Estatuinte e outros semelhantes. Que seus resultados assim como a bibliografia de referência sejam amplamente divulgados.

- moção de apoio: Diante da luta pela democratização da Universidade de São Paulo, os estudantes do curso de filosofia, reunidos na assembleia no dia 09/10, se posicionam a favor da implementação de cotas na USP (tomando como referência o projeto de lei defendido pela frente pró-cotas raciais da USP) reconhecendo que tal implementação é uma forma efetiva de democratização da Universidade.

- que seja realizado um ato/intervenção artística, não violenta, onde alunos manifestantes permaneçam parados em pé nos corredores do prédio do Meio, em silêncio e espaçadamente, fazendo com que as pessoas que transitem pelo prédio não se movimentem sem ter de se desviar das pessoas em protesto. Cabe ao Comando de Greve da Filosofia estudar a viabilidade de tal intervenção.

- que a utilização de urna como instrumento da assembleia deve ser tema de um Congresso da Filosofia, uma vez que pelo atual estatuto do CAF o órgão máximo de deliberação da categoria discente do curso é a Assembleia dos Estudantes de Filosofia.

- Moção de repúdio: os estudantes do curso de filosofia, reunidos na assembleia no dia 09/10, repudiam qualquer tipo de intimidação por parte dos professores, do departamento ou de outras instâncias administrativas. Ameaças de anulação dos cursos, ausências coletivas e todo uso de argumentos de autoridade contra os estudantes que estão se mobilizando por mudanças fundamentais n universidade – que aliás contemplam os interesses de toda a comunidade acadêmica – não podem ser toleradas.

- Moção de repúdio: os estudantes do curso de filosofia, reunidos na assembleia no dia 09/10, repudiam o pedido de reintegração de posse do prédio administrativo da reitoria antes mesmo de qualquer tentativa de diálogo para com os manifestantes. Compreendemos que o motivo da ocupação é político, de modo que tal atitude do atual reitorado é uma clara tentativa de criminalizar o movimento que reivindica a democratização da USP.

- A próxima Assembleia de Curso deverá ocorrer na próxima terça-feira (15/10/2013), ás 18h, na sala 111. Caso a Assembleia Geral delibere por alguma atividade conflitante com este horário, a Assembleia de Curso será transferida para segunda-feira (14/10). Portanto, a data exata da próxima assembleia de Curso será conhecida na noite desta quinta-feira (10/10/2013), após o término da Assembleia Geral.

Para além disso foi encaminhado à mesa da assembleia um convite a que todos os estudantes se engajem na auto-reflexão universitária, no sentido de que estes percebam a sua responsabilidade nos rumos da universidade pública.

CAF

Informes feitos na Assembleia:

- Frente Feminista: Semana que vem (dos dias 14 a 18 de outubro) ocorrerá a Semana de Combate à Violência Contra a Mulher;

- Comando de Greve da Filosofia: O Comando de Greve do curso é aberto e tem como função executar as deliberações da Assembleia da Filosofia. Nesse sentido, o cadeiraço feito na última semana esteve de acordo com a deliberação de “cadeiraço se necessário”.

- Audiência de conciliação Reitoria x Adusp, Sintusp, DCE e APG: a reitoria demonstrou intransigência e afirmou que não negociará com o movimento. Há ainda um pedido de reintegração de posse que pode ser aceito pelo juiz nas próximas 48h.

- Ocupação da Reitoria: a reitoria cortou água e luz da ocupação

- Assembleia Geral: a última Assembleia Geral (03/10) contou com poucas deliberações pois foi muito confusa. Próxima Assembleia Geral 10/10 às 18h na Reitoria Ocupada (se chover ela será realizada na FAU)

Informações para o Debate sobre uma Nova Estatuinte na USP

ÍNDICE












1. quem somos e o que queremos

Nós somos graduandas(os) e pós-graduandas(os) da USP. Por interesse e afinidade, fundamos um grupo de estudos e de trabalho interdisciplinar sobre as relações de poder nos órgãos decisórios da USP. Além disso, pretendemos organizar debates públicos acerca do atual funcionamento dos órgãos representativos da universidade. Não estamos vinculadas(os) direta ou indiretamente a nenhum partido político ou corrente específica do movimento estudantil. Somos um coletivo aberto a qualquer estudante interessada(o) no assunto, tal como já anunciamos em assembléias durante a greve. Por isso, se quiser participar, não hesite em entrar em contato conosco (ver dados ao final).

Com este panfleto, queremos contribuir com algumas informações fundamentais, em geral pouco acessíveis, para o aprofundamento dos debates sobre as relações de poder na universidade. Assim, esperamos evitar que a falta de conhecimentos básicos fragilize a posição estudantil quanto a uma modificação profunda do ordenamento da USP.

2. introdução

A USP é uma das universidades cujo funcionamento é um dos mais autoritários do Brasil. O caso da forma de eleição para reitor é apenas um demonstrativo de sua lógica: 98% das pessoas diretamente interessadas (estudantes, professores e funcionários) são excluídas do colégio eleitoral, que é alterado de 2% de participação no 1º turno para apenas 0,4% no 2º turno.

Por que isso é relevante? Se poderia afirmar simplesmente que tal processo importa na medida em que é a partir dele que se preenche o cargo do maior agente executivo da universidade. Isso talvez já bastasse. Porém, é muito mais que isso. O processo de eleição para reitor serve como fio condutor de uma análise acerca das estruturas universitárias de poder.

Como veremos, a maioria das pessoas que elegem o reitor ocupa cargos de sua livre escolha (do reitor). Isso significa que o novo dirigente é escolhido pelas pessoas escolhidas pelo antigo reitor. Por certo, isso forma um ciclo vicioso que permite a perpetuação de certos grupos de poder.

De fato, a questão da auto-replicação de estruturas e grupos que se encontram em cargos políticos da USP há décadas vem acompanhada de outros dois fenômenos fundamentais. Por um lado, o poder desmesurado dos professores titulares (inclusive relativamente aos demais professores), cuja cota de participação é determinante em todas as instâncias (item 4.3). Por outro lado, a participação irrisória de estudantes e funcionários em tais instâncias, fato que contraria até normas federais. (item 4.1) Tudo isso é mascarado sob a falsa imagem de que há eleições livres e democráticas na Universidade de São Paulo.

Como isso se dá? Que outros exemplos de organização podem nos apontar possibilidades de mudança? Que argumentos e falácias fundamentam essa realidade? Eis o que procuraremos expor em resumo neste panfleto. Caso não entenda algum termo, preparamos um mini-dicionário no item 6.

3. a atual estrutura de poder da USP

Desde o final de 2011, a USP vivenciou diversos ataques autoritários envolvendo o uso da força repressiva da polícia militar. O mais famoso deles foi a violência com que um estudante negro foi abordado por um dos policiais que invadiu o espaço dos estudantes (DCE), arrastando o aluno com força e chegando até a apontar o revólver em direção a sua barriga, segundo relatos dos presentes. Se esse último episódio ficou mais conhecido por ter sido gravado, na verdade, talvez o mais assustador de todos tenha sido a prática da tortura dentro do campus universitário, mais exatamente dentro da reitoria, em meio a uma violenta reintegração de posse do prédio. Como se explica que tais monstruosidades não tenham sido seguidas por uma imediata abertura de investigação pelos órgãos da universidade? Mais do que isso, por que o reitor nem sequer se pronunciou sobre esses fatos? A paralisia dos órgãos de política universitária frente a esses e outros abusos policiais só se explicam em um quadro social no qual diversas estruturas autoritárias implantadas na ditadura militar ainda estão vigentes no Brasil, dentre as quais a própria polícia militar (única polícia militarizada do mundo) e a estrutura de poder na Universidade de São Paulo.

É claro, o que restou da ditadura na USP tem sido muito bem camuflado com a falsa crença de que a universidade já passou pelo processo de democratização, uma vez que reformou o seu estatuto no emblemático ano de 1988, portanto, já sob um Estado democrático de direito. Nada é mais falso do que essa impressão.

Basta olhar para a forma que o estatuto foi reformado para se ter certeza que o resultado final de seu conteúdo não poderia ser democrático. Pouco antes da reforma, um decreto de 1987 instaurava uma nova sistemática autoritária para as votações: o voto seria secreto e a maioria de 2/3 seria rebaixada para uma maioria simples.

Mas nem tudo foi inovação na reforma do estatuto. Foi a partir do estatuto da ditadura que a abertura de um processo estatuinte foi promovido o que trouxe ao processo de “democratização” todas as consequências nefastas da estrutura de poder vigente: os funcionários sem direito à participação no CO também não participaram da reforma, os procedimentos coronelistas não permitiam nenhuma novidade nos resultados das votações. Franklin Leopoldo e Silva, representante docente na estatuinte, descreveu como o CO que aprovou o novo estatuto era um sistema fechado, cercado de jogos internos de poder em que os representantes docentes eram vistos como uma ameaça e não como participantes legítimos.
Enquanto o órgão máximo de política da universidade utilizava de procedimentos sigilosos, não-democráticos e favorecia privilégios ao invés da igualdade, a realidade da comunidade extra-muros do conselho universitário era o oposto. Os funcionários, estudantes e docentes organizaram no segundo semestre de 1987 o III Congresso da USP que tinha como um dos seus pontos a discussão da estrutura de poder na universidade.

Algumas resoluções do Congresso sobre o novo estatuto – aquelas que não alcançaram maioria absoluta – foram submetidas a um Plebiscito paritário (ao contrário da estatuinte que visou desde o início o estabelecimento de meras maiorias simples). No plebiscito votaram 1.347 docentes, 2.950 estudantes e 1.476 funcionários. As propostas resultantes foram enviadas como emendas a quase todos os artigos do anteprojeto da Comissão de Sistematização.

As propostas enviadas pela comunidade universitária defendiam uma constituição mais democrática da estrutura de poder na universidade defendendo a eleição direta e paritária para reitor e diretor de unidade, a eleição para chefe de departamento definida pela plenária departamental e que o requisito mínimo para exercer qualquer um dos cargos acima era ser docente com título de doutor.
Além disso, houve uma construção de diálogo entre as bancadas dos representantes dos docentes e dos estudantes no CO e, sobretudo, uma forte articulação com as bases fazendo com que as votações na estatuinte representassem as manifestações da comunidade em reuniões das categorias.

Apesar de todo o ímpeto democrático da comunidade universitária, o CO demonstrou como é um órgão isolado da universidade e somente aprovou, entre as propostas encaminhadas, o encurtamento da carreira docente com a criação da função de professor associado.

O resultado desse processo autoritário foi o estatuto ainda em vigor que apresenta em seus diversos pontos a marca da ausência de democracia.

4. pontos problemáticos

Não pretendemos apontar aqui todos os problemas decorrentes do atual Estatuto da USP. Ainda estamos em fase de estudos. Por isso, escolhemos quatro pontos que nos parecem especialmente graves e que podem ser modificados em uma Estatuinte (isto é, no processo de construção de um novo estatuto). Outros aspectos serão abordados futuramente.

4.1. os colégios eleitorais

De acordo com o artigo 36 do Estatuto da USP, o reitor será escolhido pelo Governador do Estado de São Paulo dentre os candidatos de uma lista tríplice. Essa lista é o produto de um processo que possui dois turnos. No primeiro, forma-se um colégio eleitoral composto por cerca de 2% da comunidade universitária. Votam os membros do Conselho Universitário (CO), dos Conselhos Centrais (CC), das Congregações das Unidades e dos Conselhos dos Museus e Institutos, que elegem 8 candidatos.

No segundo turno, apenas os representantes do CO e dos CC votam – justamente as instâncias com maior número de membros nomeados pela Reitoria e onde ela exerce sua maior influência direta e indireta. Ora, nessa segunda etapa, apenas 0,4% da comunidade USP escolhe 3 nomes, dentre os 8 do primeiro turno, que serão enviados para a livre escolha do governador.

O processo de eleição para reitor da USP possui vários elementos criticáveis: (a) o colégio eleitoral do 1º e do 2º turnos são dominados pelo segmento dos professores, que participam com uma média de 86% dos votos; (b) a maioria esmagadora desses professores votantes só participa do pleito por possuírem um cargo político, condicionado à vontade da reitoria – o cargo de “professor titular”; (c) há um número considerável de votantes de todas as instâncias decisórias que são nomeados diretamente pelo reitor, na forma do Estatuto; (d) a composição do colégio eleitoral muda do primeiro para o segundo turno; (e) o atual Estatuto da USP desrespeita as normas vigentes quanto ao princípio educacional da gestão democrática; (f) fala-se em democracia universitária e processo democrático de eleição, mas além de não votar diretamente, o conjunto de estudantes não é sequer consultado, os candidatos a reitor não apresentam ou discutem publicamente projetos de campanha com metas e objetivos determinados, tampouco necessitam fazer chapas indicando quem serão seus vice-reitor e pró-reitores – o que diminui a transparência do processo e o poder de escolha dos votantes.

CLR – Comissão de Legislação e Recursos CoG – Conselho de Graduação
COP – Comissão de Orçamento e Patrimônio CoPGr – Conselho de Pós-Graduação
CAA – Comissão de Atividades Acadêmicas CoPq – Conselho de Pesquisa
CoCEx – Conselho de Cultura e Extensão

A interpretação uspiana da lei

É curioso notar que, em momentos de tensão, aqueles que se pretendem os arautos da legalidade costumam ignorar os princípios e prerrogativas previstos no ordenamento brasileiro. No debate da USP isso é notório. Não sabemos quantas vezes Rodas falou acerca da aplicação da lei no interior do campus, mas só retoricamente falou em democracia. E, no entanto, esta também é “lei” – Lei Maior, aliás.

Nesse sentido, não se pode esquecer que o artigo 206 da Constituição Federal dispõe acerca dos princípios que devem nortear a educação no Brasil. Note-se que no inciso VI se insculpe precisamente a imperatividade da “gestão democrática do ensino público, na forma da lei”. Tal dispositivo foi regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB ou Lei nº 9.394 de 1996), cujo artigo 56 prevê:
Art. 56. As instituições públicas de educação superior obedecerão ao princípio da gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos, de que participarão os segmentos da comunidade institucional, local e regional.

Parágrafo único.Em qualquer caso, os docentes ocuparão setenta por cento dos assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem como da escolha de dirigentes.

Portanto, nos termos da lei, “gestão democrática” é aquela em que todos os segmentos participam das decisões, estando a participação do grupo dos professores limitada a 70% dos votos nas instâncias decisórias. Se admitirmos tal definição, concluiremos que na USP não existe “gestão democrática”. Considere, por exemplo, a composição do órgão máximo da universidade, o CO:

Categoria Total na USP Quanto representam na USP Total no CO Quanto representam no CO
Docentes 5.078
5,3%
87
80,6%
Estudantes (Graduação) 43.878
46,1%
8
7,4%
Estudantes (Pós) 31.259
32,8%
4
3,7%
Funcionários 15.008
15,8%
3
2,8%
Representantes externos
*
*
6
5,5%

Tabela reproduzida da Revista Adusp nº 35, p. 20 (dados extraídos da Secretaria Geral da USP, 2004)
Tenha em conta também o processo eleitoral para reitor:

Categoria Nº eleitores 1º turno Participação 1º turno Nº eleitores 2º turno Participação 2º turno
Docentes
1476
88%
247
85,2%
Discentes
135
8%
34
11,7%
Funcionários
60
3,6%
3
1%
Externos
6
0,4%
6
2,1%
Totais
1677
100%
290
100%

Tabela reproduzida da Revista Adusp nº 35, p. 7 (dados extraídos da Secretaria Geral da USP, 2005)
Como se vê, os docentes, que representam 5,3% da comunidade acadêmica, detêm uma média de 86% dos votos previstos, o que está muito além dos 70% da lei.

Além disso, diferentemente de todas as outras universidades públicas que se conhece, entre os votantes “externos” há 2 vagas para representantes da indústria e do comércio e apenas 1 para o(a) representante dos(as) trabalhadores(as), quando normalmente a relação é de 1 para 1. Tais cargos têm sido preenchidos por indicados pela reitoria, como forma de extensão de seu poder. Basta notar os recentes editais do reitor Rodas, prevendo um período de inscrição para o preenchimento dessas funções de imensos 15 minutos. Outro dado coerente com essa realidade é o de que tanto no CO quanto no segundo turno do colégio eleitoral, esses representantes externos têm o dobro de votos dos próprios funcionários da universidade. No CO isso representa metade dos votos dos estudantes. Por que os interesses da indústria e do comércio devem se sobrepor aos interesses estudantis, que prezam pela melhoria e democratização da universidade pública e de qualidade?

Para cada turno uma “democracia”

Viu-se que no primeiro turno votam 2% da comunidade acadêmica, enquanto no segundo votam 0,4%. Isso significa que, no segundo turno, 80% das pessoas que votaram no primeiro turno são excluídas. Quem são esses 20% de homens e mulheres biônicos? São justamente os grupos de pessoas mais próximos ao poder direto da reitoria – os membros do CO e dos CC.

Uma das conseqüências desse sistema é que, da lista inicial de 8 nomes, os 3 candidatos mais votados no primeiro turno não constam necessariamente da lista tríplice final entregue ao governador.

Isso quer dizer que, na prática, para que o atual grupo de poder se perpetue na USP basta conseguir que seu candidato fique entre os 8 mais votados no primeiro turno. Para quem está no comando da estrutura universitária, com representantes em todas as instâncias, isso não parece ser tão difícil. Depois, vem o segundo turno, com muito menos pessoas, e normalmente mais ligadas à reitoria (com raras exceções), conhecido por ser um jogo de cartas marcadas.

É assim que a atual estrutura da USP enseja a reprodução do poder dominante. O processo eleitoral e as instâncias decisórias têm um funcionamento que facilita esse fenômeno. Nesse tabuleiro, a mudança radical da composição do colégio eleitoral do primeiro para o segundo turno é uma peça-chave e, evidentemente, um descalabro. Não há democracia em que algumas pessoas votem no primeiro turno, mas não no segundo. Democracia pressupõe igualdade que se verifica na possibilidade de ir às urnas.

4.2. a escolha do governador

O artigo 36 do Estatuto da USP prevê que compete ao Governador do Estado de São Paulo dar a palavra final no processo de eleição do reitor, escolhendo um dentre os três candidatos da lista tríplice que lhe é enviada. Isso constitui uma forma de ingerência da esfera governamental no plano interno da universidade. E é uma ingerência que não se justifica.

O papel do reitor implica no estabelecimento de planos e metas de longo prazo. Com efeito, não é exagero observar que, em muitas áreas do saber, apenas programas e incentivos de larga data podem frutificar conhecimentos. Nesse sentido, a própria lógica da universidade por vezes é antagônica àquela da política eleitoral, que costuma buscar “resultados” rápidos que possam ser utilizados em futuras campanhas. Não se pode admitir que a universidade pública tenha necessariamente as mesmas prioridades políticas que o governo estadual queira lhe imprimir.

Além disso, a universidade pode vir a representar – e talvez esta seja uma de suas maiores missões – uma espécie de celeiro do pensamento crítico. E crítico inclusive das políticas governamentais. Ora, essa responsabilidade maior exige condições que estejam à sua altura. Nada menos que autonomia (política, administrativa, financeira etc.) e liberdade de pensamento e de expressão.

A submissão do projeto de universidade pública aos imperativos da política governamental, que não raro mudam a cada quatro anos, é incompatível com aquelas condições. Desse modo, ela inviabiliza a realização de seus misteres sociais, razão pela qual carece de qualquer razoabilidade.

Insta frisar que o que mantém a USP nessa situação é apenas seu Estatuto. A Constituição do Estado de São Paulo assegura a necessária autonomia para que cada universidade estadual estabeleça suas próprias regras eleitorais (art. 254). Assim, não há lei estadual alguma que obrigue a universidade a manter essas regras eleitorais. Trata-se de uma escolha puramente política que, portanto, pode ser politicamente modificada.

Outras universidades brasileiras já conhecem a autonomia que a USP não tem. Eis o exemplo da UERJ, que é soberana na escolha do seu reitor e vice-reitor, cabendo ao governador apenas a proclamação dos nomes eleitos em uma formalidade pública. Não custa lembrar, de resto, que isso não deveria ser mérito algum, já que a autonomia universitária é uma norma que se encontra insculpida na Constituição Federal (art. 207).

Por fim, gostaríamos de assinalar que se o processo eleitoral interna corporis da USP já não é democrático, o que dizer daquele que ainda prevê uma intervenção governamental no seu momento determinante? Todo o processo eleitoral da USP há de ser repensado. Só com uma democracia real na universidade teremos chances de evitar que outros Rodas sejam eleitos.

4.3. participação docente e a questão do mérito

Na Universidade de São Paulo os principais cargos políticos são exercidos exclusivamente pelos professores titulares, categoria final da carreira docente. Esse é o caso dos cargos de reitor e vice-reitor, diretor e vice-diretor de unidades, os presidentes dos conselhos de pesquisa, de graduação, de pós-graduação e de cultura e extensão universitária e quase obrigatoriamente também os chefes de departamento. Além disso, os professores titulares representam maioria dos votantes para reitor (cerca de 40% no 1º turno e cerca de 50% no determinante 2º turno). No CO são cerca de 75% dos membros. Também na Congregação da Unidade ao menos metade dos Professores Titulares tem a sua participação assegurada pelo Estatuto e no caso de Conselho do Departamento esse número sobre para 75%.

Tal situação representa uma participação altamente inflacionada e totalmente desproporcional dos professores titulares em relação a sua verdadeira participação na comunidade universitária como um todo, já que não representam nem 1% do todo e apenas 10% dos docentes. O que explica essa distorção?

Segundo os defensores, o ambiente acadêmico, por sua natureza particular, exige um exercício da política diferenciado em que o ideal de representação que é adequado a um Estado democrático de direito é inconveniente. (Interessante que são esses mesmos setores que acusam os estudantes da USP de reivindicarem privilégios por defenderem que a polícia militar não é adequada ao ambiente universitário).

A gestão democrática que respeitaria a noção de representação partidarizaria o contexto acadêmico, inseriria atitudes populistas, ou então criaria um ambiente altamente político, característica que seria incompatível com uma universidade de qualidade. Ao contrário, tal instituição deveria ser administrada de acordo com os critérios do mérito e da competência que lhe são peculiares.

Diversos pontos do estatuto desmentem por completo essa ficção de que a titularidade é o produto final do mérito acadêmico e não um cargo essencialmente político (como rejeitam, ao menos da boca para fora, os seus defensores).

Em primeiro lugar, cabe à Comissão de Atividades Acadêmicas apenas opinar sobre a criação de cargos de professor titular, enquanto compete ao CO (descrito no estatuto como “órgão responsável por estabelecer a política geral da universidade”) deliberar de fato sobre a criação de cargos.

Além disso, não é possível encontrar no estatuto, no regimento geral ou mesmo nos regimentos das unidades qualquer definição do que significa esse cargo em termos de mérito. Se não é um âmbito essencialmente político, por que não há uma definição de qual mérito ele representa?

O estatuto limita-se a afirmar que os programas do concurso para provimento de cargo “aprovados pela Congregação, deverão ser formulados de modo a exigir dos candidatos a demonstração de sua competência no campo de conhecimento em que se realiza o concurso”. Mas afinal que competência é essa? Como ela se diferencia da competência já comprovada com o título de doutor? E daquela da livre-docência? E da competência comprovada no concurso para ser aceito como docente da USP? O mérito atribuído ao concursado como professor titular torna-se ainda mais questionável quando sabemos que a maioria desses concursos possui, na verdade, apenas um concorrente.

O resultado prático dessas normas é que muitos professores associados estão impedidos de progredir na carreira não por falta de mérito, mas porque o chamado mérito não está disponível a eles por causa de um jogo político. A abertura de vagas para professores titulares é resultado de uma negociação política entre a reitoria e as unidades, em que está em jogo a manutenção de poder para determinados grupos e a abertura de novas vagas para grupos aliados.

Em suma, por trás desse mesmo título se encontram, então, professores medíocres assim como extraordinários.

E são esses professores que, por possuírem uma série de cargos políticos a eles reservados, acabam se perpetuando no poder, formando um círculo vicioso do poder do qual participam sempre os mesmos personagens que acumulam uma série de cargos (simultaneamente, são membros ou presidentes dos conselhos permanentes, participantes em outras comissões, dirigentes de coordenadorias, chefes de departamento e outros).

A violação do direito democrático de outras categorias da universidade, inclusive de professores, de participarem da política universitária não ocorre apenas por causa da sobreparticipação dessa minoria. No caso do CO, por exemplo, as outras categorias docentes têm direito a apenas um representante por categoria e mesmo esse direito é frequentemente violado. Em 2007, as urnas para segunda fase da votação dos representantes das categorias de professor associado e de professor doutor ficaram abertas apenas por 30 minutos para os eleitores. Em 2010, a segunda fase da eleição para representante dos auxiliares de ensino teve abertura das urnas por somente 15 minutos!

Os segmentos não-docentes, é claro, são os mais prejudicados. Em 2011, a Adusp chegou a encaminhar um ofício ao promotor de Justiça Silvio Marques contestando como é possível garantir a participação de todos os segmentos da comunidade se a representação docente responde por 80% a 90% dos membros de diferentes colegiados. No caso das últimas eleições para reitor novamente esta distorção se manifesta: enquanto 29,03% dos professores participaram do 1° turno e 16,72% do 2° turno a participação dos estudantes de pós-graduação foi de apenas 0,21% (1º turno) e 0,06% (2º), 0,17% (1º) e 0,03% (2º) dos estudantes de graduação e 0,44% (1º) e 0,01% (2º) dos funcionários.

Cabe ainda perguntar, será possível definir um projeto de universidade verdadeiramente democrática se não há participação de todas as categorias da comunidade universitária? As palavras de Franscisco Miraglia, ex-presidente da Adusp, em 1995 são extremamente atuais sobre esse ponto: “a justificativa da gestão democrática não é para nós discutirmos os pesos; como é que vai se dar a influência, ou quais são os estamentos que vão influir. A questão da gestão democrática se ampara essencialmente na natureza do trabalho que fazemos na universidade, na concepção que temos desse trabalho. Como é que tem que ser o ensino? Como é que se dá esse diálogo? Como é que se dá a pesquisa?”

É preciso ainda desmascarar a ideia de que toda universidade de qualidade exige que a política seja exercida quase que exclusivamente pelos professores titulares. Em nossos estudos descobrimos diversas universidades de alto nível em que não há qualquer distinção sobre a partir de qual título os docentes podem assumir cargos da política universitária, como as francesas Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais (École des hautes études en sciences sociales ou EHESS), a Universidade de Paris 1 e entre as brasileiras, a UFSCAR, a UERJ e a UFSC, entre outras.

Um novo estatuto que retire a exclusividade da ação política da mão dos professores titulares permitirá então despolitizar o cargo e ressignificá-lo inserindo, de fato, o mérito como critério do título.

4.4. O regime disciplinar de 72

O Estatuto Geral da USP foi aprovado pela Resolução Estadual nº 3.461 no dia 7 de outubro de 1988, dois dias depois da promulgação da atual Constituição Federal do Brasil, que revogou grande parte das normas autoritárias vigentes durante a ditadura civil e militar. Tudo indica, portanto, que o atual Estatuto da USP acompanhou o processo de democratização do país, tendo operado a chamada “transição. Ledo engano. Contrariamente ao processo geral de “abertura das instituições”, o debate interno na USP se mostrou impermeável às tentativas da Adusp, do Sintusp, de C.A.s e demais organizações estudantis para imprimir no interior da estrutura universitária as mudanças ansiadas a nível nacional. As atas dos Congressos da USP o assinalam com detalhes.

Tal Estatuto exigia a regulamentação de diversos assuntos, o que atribuía a um futuro Regimento Geral da USP (art. 2º das “disposições transitórias”), que veio a ser promulgado dois anos depois, em 1990. Este, por sua vez, estabeleceu em suas “disposições transitórias”:

Artigo 4º – Enquanto não for aprovado o novo regime disciplinar pela CLR [Comissão de Legislação e Recursos], permanecem em vigor as normas disciplinares estabelecidas noRegimento Geral da USP editado pelo Decreto 52.906, de 27 de Março de 1972.

O Regimento Geral de 1972, redigido durante a ditadura como forma de controle físico e ideológico da USP, foi aprovado por ninguém menos que o então governador Laudo Natel e o então reitor da USP, Miguel Reale – conhecido por ter feito parte do Conselho Supremo da Ação Integralista Brasileira, no cargo de secretário de doutrina e propaganda, tendo publicado O Estado Moderno: liberalismo, fascismo e integralismo, Atualidades brasileiras (da série integralista, v.3), ABC do integralismo, Perspectivas integralistas, entre outras obras de cunho fascista. Talvez por mero acaso, Miguel Reale tenha sido orientador do atual reitor da USP, Rodas, que já teve algumas oportunidades para demonstrar sua extrema “lealdade” aos ideais democráticos.

Um dos dados mais significativos no sentido da permanência de certo espírito autoritário na Universidade de São Paulo se dá justamente na manutenção da parte referente ao regime disciplinar de 1972 até os dias de hoje. Ele contém preceitos incompatíveis com qualquer democracia que se preze e, em especial, com a Constituição Federal de 1988. Note-se, ilustrativamente, seu artigo 250, inciso VIII, típico da época ditatorial:

Artigo 250 – Constituem infração disciplinar do aluno, passíveis de sanção segundo a gravidade da falta cometida:

(…)

VIII – promover manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, racial ou religioso, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares.

Essa “infração disciplinar” constitui, segundo a Constituição Federal, um direito e garantia fundamental de qualquer pessoa:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

(…)

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
(…)

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

(…)

XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (…)”

Além disso, longe de criminalizar a greve, tal como em épocas ditatoriais, a atual Constituição Federal assegura o direito de fazê-la, insculpindo-a como direito social:

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Desse modo, o Regime Disciplinar de 1972 é uma norma inconstitucional. Em termos jurídicos, diz-se que é um regramento não recepcionado pela Constituição de 1988 e que, portanto, configura norma ab-rogada. Em linguagem comum, ela “não vale”.

Contudo, até o presente momento, a aplicação dessas regras disciplinares, que ferem garantias individuais e coletivas, não parece ter incomodado aqueles que têm se arvorado em “defensores da lei e da ordem”. Desde 1990 até hoje, a Comissão de Legislação e Recursos (CLR) não parece ainda ter encontrado “tempo” para redigir um novo regime conforme a ordem democrática – ou acredita que o de 1972 é plenamente satisfatório. Tanto é assim que estudantes e funcionários têm sido processados administrativamente com fundamento nesse regramento, apesar de sua vergonhosa inconstitucionalidade. Até quando?

5. argumentos e contra-argumentos

(a) Se os colégios eleitorais forem democratizados a qualidade da USP vai baixar

Esse é o principal argumento utilizado por aqueles que defendem a atual estrutura de poder na universidade e o que mais sensibiliza estudantes, funcionários(as), professores(as) e o restante da opinião pública. Mas se trata de um argumento falacioso. A USP é considerada uma universidade de excelência apesar do seu autoritarismo, e não graças a ele.

A título de exemplo, comparemos a USP com a Unicamp, que tem consulta pública para eleger o seu reitor, com ponderação de votos distribuída em 60% de peso para professores, 20% para estudantes e 20% para funcionários, além de uma estrutura em geral muito mais democrática:

USP
UNICAMP
Orçamento (% ICMS)
5,2
2,1
Relação professor/estudante
na graduação
9,7
8,0
Nº de professores
5.118
1.857
Peso na produção científica do país
22%
9%
Média na CAPES
5,1
5,2
Média de trabalhos por Professor Doutor
4,9
5,0

Fonte: Censo da Educação Superior do MEC; dados publicados pela Folha de SP em 21 de junho de 2009, p. C3.

Caso se assuma a CAPES como parâmetro confiável de análise [1], o que se demonstra é que a Unicamp, que é mais democrática, consegue ter o mesmo nível ou nível superior de desempenho e de eficácia que a USP.

Pode-se afirmar que a excelência dessas universidades está ligada principalmente a dois fatores que costumam ser esquecidos nesses debates de poder: (1) os recursos disponíveis para educação e (2) a qualidade do trabalho dos segmentos que compõem a universidade.

Quanto ao primeiro, não há muito a dizer. A USP é a universidade pública que mais recebe recursos no Brasil. Assim, estranho seria se ela não participasse da produção científica do país.

Já quanto ao segundo, muito há a ser dito. Se a produção da USP é reconhecida internacionalmente é graças a todas as pessoas que a constroem diariamente. É preciso que fique claro: os professores titulares, que hoje detêm todo o poder nas instâncias decisórias da USP, respondendo por 70,4% das cadeiras do CO representam somente 16% do total de docentes – e muitos deles não vão mais às salas de aula. Os professores associados e doutores são os maiores responsáveis pelo ensino, pela pesquisa e pela extensão na universidade, formando os 78,9% dos professores na ativa. Mas eles detêm somente 8,4% dos votos [2] do CO.

Daí a conclusão: se hoje a USP é considerada uma universidade excelente é majoritariamente graças a todos esses professores com participação irrisória nos órgãos decisórios. A questão que se coloca é por que tais pessoas, cujo trabalho é excelente, não podem votar? E não se podem esquecer estudantes e funcionários(as), que participam dessa excelência, na medida em que também a constroem. Sem eles(as) a USP não seria o que é. Mas, juntos, esses segmentos só representam 14% do CO.

As pessoas que defendem o status quo entendem que todos esses estudantes, funcionários(as) e professores(as) são incapazes de decidir o futuro da universidade em que estudam e trabalham.

No fundo, o argumento não é tão diferente daqueles mobilizados pelos aristocratas em tempos de monarquia. Segundo eles, para haver um bom governo apenas os “bons” poderiam votar. Foi o que justificou o voto censitário no Brasil entre 1824 e 1891 (com a diferença de que, de acordo com o censo de 1872, na época votavam 13% da população; hoje votam somente 2% da comunidade da USP).

É preciso apontar a tentativa de dominação que se esconde por trás desse tipo de “discurso competente” (tal como denominado pela professora Marilena Chauí [3]), que mina o princípio de qualquer democracia, haja vista que reduz o direito de fala àqueles que o detêm em função de sua posição de poder e de opressão.

(b) Não há exemplos mais democráticos e transparentes de “gestão democrática” universitária no Brasil.

É falsa a idéia de que não há alternativas viáveis à USP. Propostas não faltam. Não é nosso intuito indicar a melhor delas, pois tal decisão cabe a toda a comunidade universitária. Mas gostaríamos de sinalizar algumas experiências interessantes no Brasil.

Tanto na Unicamp quanto na Unesp os colégios eleitorais respeitam a proporção de 70% de votos para professores presente na LDB, sendo o restante distribuído ao restante da comunidade universitária (13% para estudantes, 10% para funcionários e 7% para representantes externos na Unicamp; e 14% para estudantes, 14% para funcionários e 3% para comunidade externa na Unesp). Contudo, em ambas, antes da votação é feita uma consulta oficial em que todas as pessoas podem votar. O resultado dessa consulta é publicado com os seguintes pesos: 60%, 20% e 20% na Unicamp, e 70%, 15% e 15% na Unesp, respectivamente para professores, estudantes e funcionários.

Cumpre observar que tal sistema foi adotado após a LDB, que data de 1996. Antes disso, na Unesp, havia paridade na consulta à comunidade. Além disso, até hoje a Unesp exige que os candidatos façam debates em todas as unidades de ensino da academia, que apresentem uma chapa com o nome do vice e que publiquem seus programas no jornal da universidade para o conhecimento de todos.

Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) as eleições também respeitam o disposto na LDB, e antes delas também são feitas consultas à comunidade, cujos resultados, no entanto, são apresentados de modo paritário. Ademais, em ambas, o candidato a reitor pode ser professor doutor, diferentemente do que ocorre na USP, onde apenas professores titulares são passíveis de serem candidatos. Além disso, a UFSCar não envia lista tríplice para a escolha do(a) Ministro(a) da Educação. Somente o nome da chapa vencedora é enviado e o MEC tem aceitado essa postura de afirmação da autonomia da universidade.

Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) as eleições são diretas e paritárias conforme a LDB, com a mera homologação dos resultados pelos Conselhos Superiores da universidade. Ainda, qualquer docente efetivo há mais de cinco anos pode ser candidato a reitor.

Enfim, na Universidade Federal do Pará (UFPA), o sistema de voto é universal desde 1993, sem ponderação ou pesos para cada segmento da comunidade acadêmica. O Conselho Universitário homologa os resultados e, tal como a UFSCar, envia ao MEC apenas os nomes da chapa vencedora.
Esses não são modelos a serem necessariamente seguidos. São exemplos que indicam que a USP tem um grande universo de possibilidades reais de transformação.

6. glossário

Adusp – Associação dos Docentes da USP: é entidade que representa as(os) professoras(es) da USP e que atua de forma independente em relação aos assuntos da universidade.

C.A. – Centros Acadêmicos: entidades representativas dos(as) estudantes. Em geral, cada departamento ou faculdade tem o seu.

CC – Conselhos Centrais: Conselho de Pesquisa, Conselho de Cultura e Extensão, Conselho de Graduação, Conselho de Pós-Graduação. Esses órgãos são responsáveis por traçar as diretrizes que nortearão a ação da Universidade nos respectivos campos de atuação.

Congresso da USP: espaço de debate com participação de estudantes, funcionários e professores que tem por objetivo traçar diretrizes para diferentes aspectos da vida universitária. Na história da USP já foram realizados cinco congressos.

CO – Conselho Universitário: órgão decisório máximo na USP e uma das instâncias com maior influência direta e indireta da reitoria. É presidido pelo reitor.

Colégio eleitoral: conjunto de pessoas habilitadas para votarem em determinada eleição. Ex.: as crianças não compõem o colégio eleitoral no Brasil.

Discente: que se refere a estudantes, dos(as) estudantes. Por ex., “o corpo discente”.

Docente: que se refere a professores(as), dos professores(as). Por ex., “a posição docente”.

Estatuto: lei ou conjunto de regras que regula a estrutura e o funcionamento da universidade, juntamente com o Regimento Geral e outras normas (decretos, resoluções e portarias).

Estatuinte: processo de construção de um novo estatuto

Pleito: tanto pode significar “eleição”, quanto “processo” ou “pedido”.

Reitor: cargo individual que mais concentra poderes na USP, é a posição executiva máxima, atualmente ocupada por Rodas.

Regimento Geral: conjunto de regras que regula a estrutura e o funcionamento da universidade, juntamente com o Estatuto e outras normas (decretos, resoluções e portarias).

Rodas: atual reitor da USP, escolhido pelo governador em 2009 apesar de ser o segundo colocado entre os eleitores do 2º turno.

Sintusp: Sindicato dos Trabalhadores da USP: entidade representativa das(os) funcionárias(os) da USP.

Sufrágio: voto.

Sufrágio direto: sistema em que não há representantes que votam em nome de grupos ou classes; todas as pessoas votam, sem intermediações.

Sufrágio paritário: sistema em que o critério de apuração não é o número absoluto de votos. Cada categoria da comunidade universitária – estudantes, funcionários e professores – possuem o mesmo valor na eleição, isto é, o voto de cada categoria vale 1/3.

Sufrágio proporcional: o peso de cada categoria – estudantes, funcionários e professores – respeita a proporção de participação desse corpo na comunidade universitária como um todo.

Sufrágio universal: sistema em que cada pessoa tem direito a um voto e todos os votos têm igual peso. O critério de apuração é o número absoluto de votos.

7. mais informações

Para mais informações, recomendamos as revistas da Adusp, que estão disponíveis em seu site, juntamente a muitos outros dados: www.adusp.org.br. Conferir especialmente os nºs 22, 23 e 35. O informativo Adusp nº 240 e o antigo Jornal do Campus de 2007 também cuidam do tema. Sugere-se, ainda, o site do Sintusp: www.sintusp.org.br.

Além disso, nosso grupo de estudos possui um blog que contém algumas informações e que é atualizado de tempos em tempos: www.diretasjausp.blogspot.com. Caso tenha interesse em participar do grupo, confira no blog a data das nossas reuniões na USP e compareça e/ou envie um pedido de adesão à lista de discussão diretas-ja-usp@googlegroups.com.


[1] Não se ignoram as inúmeras críticas à CAPES, mas diante da falta de parâmetros objetivos, recorreu-se a ela, com ressalvas.

[2] Dados extraídos do Anuário Estatístico da USP, 2004.

[3] “O discurso competente é o discurso instituído. É aquele no qual a linguagem sofre uma restrição que poderia ser assim resumida: não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância. O discurso competente confunde-se, pois, com a linguagem institucionalmente permitida ou autorizada (…)” (CHAUI, Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas, SP: Cortez, 2006).